terça-feira, 30 de novembro de 2010

Dica do autor.

Podemos dizer que o pensamento usual de nossa sociedade é incoerente - ele se espalha em todas as direções e há ideias conflitantes e que se anulam umas às outras. Mas se as pessoas pensassem juntas de maneira coerente, o pensamento teria um imenso poder. Fica a sugestão.

Busca de identidades, respeito pelas diferenças.

Num diálogo, modos diversos de pensar vêm de diferentes pressupostos e opiniões básicos. Em quase qualquer grupo, você provavelmente encontrará muitos pressupostos e opiniões diferentes dos quais não se dá conta num dado momento. É uma questão de cultura. Numa cultura há um vasto número de opiniões, as quais ajudam a construí-la. E há também subculturas, que são um tanto diferentes umas das outras, segundo os grupos étnicos ou situações econômicas, a raça, a religião ou milhares de outras variáveis. As pessoas chegarão e se reunirão, vindas de diferentes culturas ou subculturas, com diferentes pressuposições e opiniões. Podem não ter consciência disso, mas têm uma certa tendência a defender suas ideias pré-formadas e opiniões contra evidências de que elas podem não estar corretas. Ou simplesmente têm uma tendência a defendê-las contra alguém que apresenta outras opiniões. 

Se defendermos nossas opiniões dessa maneira, não seremos capazes de dialogar. E muitas vezes fazemos isso inconscientemente. Ou seja, em geral, não o fazemos de propósito. às vezes podemos estar conscientes dessa defesa, mas na maior parte dos casos não estamos. Apenas sentimos que algo é tão verdadeiro que não podemos evitar a tentativa de convencer o outro - que julgamos tão estúpido - do quão errado ele está por discordar de nós.

O pensamento pode ser proprioceptivo?

Você tem a intenção de pensar, da qual em geral não se dá conta. Você pensa porque tem a intenção de pensar. Ela vem da idéia de que é necessário pensar, de que há um problema. Se você observar bem, verá que há uma intenção, um impulso de pensar. A seguir vem o pensamento, o qual pode dar origem a um sentimento, que por sua vez pode produzir outra intenção de pensar e assim por diante. Você tem consciência disso, e assim o pensamento surge como se estivesse chegando por si mesmo, e o sentimento parece vir por si próprio e assim por diante.

(...) O ponto fundamental da suspensão é tornar a propriocepção possível, criar um espelho, de modo que você possa ver os resultados do seu pensamento.

O significado de "propriocepção": a palavra “propriocepção” está relacionada com a transferência de informação para e através do sistema nervoso central, que por sua vez dá instruções ao músculo sobre o modo como deve contrair-se. Um proprioceptor é um receptor sensorial que detecta movimento e a posição do corpo ou de um segmento, respondendo com um incremento do estímulo sobre este. O sistema nervoso central (SNC) recebe e processa sinais destes receptores sensoriais para coordenar a posição e o movimento do nosso corpo e articulações.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Diálogo de Paulo Freire

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade.

Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mimComo posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros "isto", em que não reconheço outros eu?

Como posso dialogar, se me sinto participante de um "gueto" de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são "essa gente", ou são "nativos inferiores"? Como posso dialogar,se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitarComo posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?

Como posso dialogar se temo a superação e se, em pensar nela, sofro e definho? A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, nãoignorantes absolutos, nem sábios absolutos, há homens que, em comunhão, buscam saber mais.

Nãotambém, diálogo, se não há uma intensa nos homens. no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos dos homens. A nos homens é um dado a priori do diálogo. Por isto, existe antes mesmo de que ele se instale. O homem dialógico tem nos homens antes de encontrar-se frente a frente com eles. Esta, contudo, não é uma ingênua . O homem dialógico, que é crítico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de transformar, é um poder dos homens, sabe também que podem eles, em situação concreta, alienados, ter este poder prejudicado.

Esta possibilidade, porém, em lugar de matar no homem dialógico a sua nos homens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio ao qual tem de responder. Está convencido de que este poder de fazer e transformar, mesmo que negado em situações concretas, tende a renascer. Pode renascer. Pode constituir-se. Não gratuitamente, mas na e pela luta por sua libertação. Com a instalação do trabalho não mais escravo, mas livre, que dá a alegria de viverSem esta nos homens, o diálogo é uma farsa. Transforma-se, na melhor das hipóteses, em manipulação adocicadamente paternalista.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na nos homens, o diálogo se faz uma realização horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de , o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade da concepção "bancária" da educação.

Se a nos homens é um dado a priori do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que falharam as condições discutidas anteriormente.

Um falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada nos homens não podem gerar confiança. A confiança implica no testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiançaNão é porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero.

Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode desfazer-se na desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu que fazer, não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso.

Pedagogia do Oprimido
17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,. 1987

A consciência participativa.

O objetivo do diálogo não é analisar as coisas, ganhar discussões ou trocar opiniões. Seu propósito é suspender as opiniões e observá-las - ouvir os pontos de vista de todos, suspendê-los e  a seguir perceber o que tudo isso significa. Se pudermos perceber o que significam todas as nossas opiniões compartilhatremos um conteúdo comum, mesmo se não concordamos completamente. Pode resultar que os conteúdos não sejam muito importantes - pode se tratar apenas de pressupostos. Mas se pudermos examinar todos eles, seremos capazes de nos mover de maneira criativa em direções diferentes. Poderemos simplesmente compartilhar a apreciação dos resultados: e dessa totalidade a verdade emerge sem se anunciar, sem que a tenhamos escolhido.

Se cada um de nós fizer a suspensão de pressupostos faremos todos a mesma coisa. Olharemos juntos. O conteúdo de nossa consciência será essencialmente o mesmo. Nessa ordem de ideias, será possível estabelecer entre nós um tipo diferente de consciência, uma consciência participativa - o que na verdade a consciência sempre é. Estabeleceremos uma espécie de consciência que seja  reconhecida como participativa e possa continuar a sê-lo livremente. Tudo pode se mover entre nós. Cada pessoa participa, compartilha a totalidade dos significados do grupo e, ao mesmo tempo, faz parte dele. Isso é um diálogo verdadeiro.

O impulso da necessidade

Discutimos o diálogo, o pensamento e a importância de dar atenção à totalidade do processo - não somente ao conteúdo das diferentes opiniões e pontos de vista -, e como manter tudo junto. Também observamos o processo de como isso atinge nossos sentimentos e estados corporais e como outras pessoas podem ser influenciadas.
Isso é na verdade algo da maior importância: ouvir, assistir, observar, dar atenção ao processo real do pensamento e à ordem em que ele acontece. E também vigiar suas incoerências, os pontos em que ele não funciona apropriadamente e assim por diante. Não tentamos mudar nada, mas apenas estarmos atentos a tudo. (...) A idéia de necessidade é da maior importância. O que é necessário não pode ser de outro modo; só pode ocorrer dessa forma. É interessante observar que a palavra necessidade tem uma raiz latina, necesse, que quer dizer "não ceda". Significa na realidade o que não pode ser deixado de lado.

(...) A idéia do que é necessário produz um impulso e os indivíduos se sentem dirigidos por esse pensamento. Assim, fazer o que se gosta raramente é liberdade, porque o que gostamos é determinado pelo que pensamos, e isso é com freqüência um padrão fixo.

(...) Acho que esse é um dos pontos-chave - compreender quando chegamos a um pressuposto de necessidade absoluta, que faz com que todos se agarrem a ele.

A participação coletiva.

Tudo isso faz parte do pensamento coletivo - pessoas pensando juntas. Em algum momento, acabaremos por compartilhar nossas opiniões sem hostilidade, e então seremos capazes de pensar juntos. Por outro lado, se apenas defendermos opiniões, não o seremos. Um exemplo de indivíduos a pensar juntos seria o de alguém que tivesse uma ideia, outra pessoas a adotasse, mais outra lhe acrescentasse algo. O pensamento fluiria e sairíamos da situação habitual, em que as pessoas tentam persuadir ou convencer umas às outras. Acredito que se elas percebessem a se conhecer mutuamente, principiariam a compartilhar a confiança. Isso pode levar algum tempo. No início, você apenas entra no grupo e leva consigo todos os problemas da cultura e da sociedade. Assim, qualquer grupo é um microcosmo do social: há todos os tipos de opinião, os indivíduos não confiam uns nos outros. As pessoas conversam de um modo trivial e, a seguir, menos trivialmente. No começo elas falam sobre questões superficiais porque têm medo de ir além disso. Depois, gradualmente, ocorre a confiança mútua.

O envolvimento no diálogo


Poderíamos dizer que em geral nossa cultura forma grandes grupos por duas razões. Uma é a busca por divertimento e prazer. A outra é fazer um trabalho útil. Num diálogo, porém proponho que não tenhamos nenhuma agenda e não tentemos realizar nada de útil. Tão logo busquemos realizar um objetivo ou meta útil, haverá um pressuposto por trás disso e ele nos limitará. Pessoas diferentes verão utilidades em coisas diferentes e isso causará problemas. (...) Assim, se persistirmos, as pressuposições mais profundas subirão à superfície. Mas se entendermos que apesar disso devemos seguir em frente, então algo novo surgirá.


(...) O diálogo não é sempre um entretenimento, nem sua utilidade é sempre visível. Por isso você pode tender a descartá-lo tão logo ele se torne difícil. Sugiro, contudo, que é muito importante continuar - mantê-lo durante as frustrações.

Espaços vazios


Num grupo de diálogo, não decidimos o que fazer a respeito de nada. Isso é crucial. De outra maneira não seríamos livres. Devemos ter um espaço vazio, no qual não somos obrigados a fazer nada nem chegar a quaisquer conclusões, nem a dizer seja o que for, ou mesmo a não falar.
É um espaço aberto, livre, vazio.
A palavra "lazer" significa uma espécie de espaço vazio. "Ocupado" é o oposto do lazer: o espaço está preenchido. Assim, nem grupo de diálogo há uma espécie de espaço vago no qual qualquer coisa pode entrar. Ao terminar, nós apenas o esvaziamos de novo. Não tentamos acumular nada. Esse é um dos principais pontos a respeito do diálogo. Como Krishnamurti costumava dizer, "o copo tem de estar vazio para conter algo".

Quem é eu ?

Segundo Bohm ,o pensamento, as emoções, os estados corporais e as reações físicas estão relacionados com nossos pressupostos e paradoxos, que por sua vez se relacionam com outros fatores. E segundo Eduardo Giannetti tudo é produto das atividades de nosso cérebro. Para reflexão, reproduzo aqui alguns trechos de seu livro "A ilusão da alma"


(...) O autoconhecimento do homem é precário. O elo entre o pensar e o agir esconde uma realidade objetiva complexa a que não temos acesso introspectivo: nossa vida consciente e nossas ações no mundo são a culminância de uma vasta e intrincada atividade neural que se desenrola abaixo de nosso nível de perceptividade...

(...) O cérebro humano é um órgão que responde sozinho por todas a nossas ações; por todas as nossas crenças e sentimentos mais íntimos; por tudo que acreditamos. (...) Embora tenhamos uma sensação de controle sobre o nosso pensamento e nossas ações, essa sensação não passa, também ela, de um subproduto de nosso cérebro (...)

A idéia é tremenda, mas basta um silogismo para resumi-la. As leis e regularidades que regem o mundo são independentes da minha vontade (premissa maior); a minha vontade é fruto das mesmas leis e regularidades que regem o mundo (premissa menor); logo, a minha vontade é independente da minha vontade (conclusão). Se as premissas são verdadeiras, então a conclusão é incoercível

domingo, 28 de novembro de 2010

Sobre o Diálogo

“Diálogo” deriva da palavra grega dialogos. Logos é o “significado da palavra”, ou em nosso caso pensaríamos em “sentido da palavra”. E dia significa “através” — não significa dois. Um diálogo pode se dar entre qualquer número de pessoas, não só entre duas pessoas. Até mesmo uma pessoa pode ter uma impressão de diálogo consigo mesma, se o espírito do diálogo estiver presente. Um quadro ou imagem que esta derivação sugere é de uma sucessão de sentidos fluindo entre e através de vários de nós ou entre dois de nós. Isto torna possível um fluir de sentidos num grupo inteiro, do qual irá emergir algum sentido novo. É algo novo, que pode não ter ocorrido no ponto inicial, em absoluto. É algo criativo. E este sentido compartilhado é o “adesivo” ou “cimento” que mantém as pessoas e sociedades juntas.


Contraste-o com a palavra “discussão”, que tem a mesma raiz que “percussão” ou “concussão”. Realmente significa fracionar as coisas. Enfatiza a idéia de análise, onde deve haver muitos pontos de vista, e onde cada um está apresentando um diferente, analisando e fragmentando. Isto obviamente tem seu valor; mas é limitado e não nos levará muito além de nossos vários pontos de vista. A discussão é quase como um jogo de pingue-pongue, onde as pessoas estão rebatendo idéias de um para o outro e o objetivo do jogo é ganhar ou obter pontos para si próprio. Possivelmente você irá resgatar as idéias de alguém para dar suporte às suas — você pode concordar com alguma e discordar de outras — mas o ponto básico é ganhar o jogo. Este é, frequentemente, o caso em uma discussão.


Num diálogo, entretanto, ninguém está tentando ganhar. Cada um vence se qualquer um vencer. Há um tipo diferente de espírito para ele. Num diálogo, não há tentativa de ganhar pontos ou de fazer sua visão específica prevalecer. Ao contrário, sempre que qualquer erro é descoberto da parte de qualquer um, todos ganham. É uma situação denominada ganha-ganha, enquanto o outro jogo é ganha-perde — se eu ganho, você perde. Mas um diálogo é algo mais que uma participação comum, na qual não estamos jogando um contra o outro, mas com o outro.


NUM DIÁLOGO, TODOS VENCEM.

O observador e o observado



por Doc Ross

sábado, 27 de novembro de 2010

Raízes do pensamento.

Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem fronteiras para um contexto dialógico. (...) Em qualquer momento do diálogo existem as massas enormes e ilimitadas de sentidos esquecidos que serão recordados e reviverão em um contexto e num aspecto novo.
(Bakhtin, 1985)

Pensamento ilimitado

Bohm (2005) discute três dimensões do ser humano: o indivíduo isolado, a dimensão coletiva de ser humano e a dimensão cósmica.

No indivíduo isolado seu corpo de certo modo se encontra separado dos demais, embora não seja possível estabelecer as fronteiras, pois ele se funde com o ar, a luz e com os alimentos. Esse indivíduo também se constitui por suas características físicas e a certas peculiaridades mentais, além de possuir uma auto-imagem pela qual busca se auto-identificar. A dimensão coletiva do ser humano engloba um certo número de pessoas, a sociedade e a cultura. Esta categoria possui um potencial poder. A dimensão cósmica constitui a imersão humana no mundo natural, a cosmologia da ciência e da religião. Deste modo, surgem as tentativas de estabelecer conexão por meio da religião e da filosofia, entretanto com o enfraquecimento da religião e com a inacessibilidade da filosofia a dimensão cósmica se fragmentou.

Parte da dimensão cósmica é a atitude do homem em relação à natureza e compreendeu-se que a natureza é finita. Entretanto Bohm (2005) defende a existência de algo “além dos limites, algo não-finito”.

O pensamento literal nos diz que não há nada que seja ilimitado, porém a partir de uma visão participativa torna-se possível sugerir que o ilimitado é a base de tudo. Desta forma, torna-se crucial exercitarmos a totalidade da comunicação e da capacidade de dialogar e participar daquilo que é comunicado.

Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

Pensamento participativo e literal

O pensamento participativo diz respeito ao modo que as primeiras culturas humanas percebiam sua participação no mundo, como constituintes de uma parte do todo e considerando que o espírito de todas as coisas era único. Nos últimos cinco mil anos esse pensamento foi modificado para o “pensamento literal”, que possui como objetivo ser um reflexo da realidade e nos dizer as coisas exatamente como elas são. Bohm (2005) defende que “as palavras podem dar conta de um certo grau de realidade, mas não da realidade inteira”, nós é que incutimos demasiado valor às nossas palavras e pensamentos.

Deste modo, o pensamento literal se apoderou da percepção consciente (tornando possível a tecnologia, por exemplo) e simultaneamente o pensamento participativo eclipsou-se, mas permaneceu nas profundezas. O termo “participação” possui dois significados: o mais antigo era “compartilhar” a fonte, o que criava um sentimento de unidade e identidade, na cultura ocidental esse significado foi mantido até a Idade Média. O segundo significado de consiste em “tomar parte em”, ou seja, dar sua contribuição. Nos tempos modernos significa que um indivíduo é aceito e que faz parte da totalidade. Mas para tomar parte em algo, nossa participação deve ser “aceita”.

Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

A compreensão do pensamento como “movimento"

Da mesma forma que o processo do corpo é um movimento que se inicia com um impulso e chega a um resultado, o pensamento também é um movimento, visto que também é um processo. Contudo não se percebe o pensamento como um movimento, pois o mesmo é considerado como verdade, “como se sua simples ocorrência pudesse nos dizer como as coisas são” (BOHM, 2005).

Para uma melhor compreensão do pensamento como “movimento” Bohm (2005) o considera como um sistema de reflexos. O autor caracteriza o termo “reflexo” como uma seqüência de acontecimentos que ocorrem de modo automático a partir de um primeiro acontecimento. Deste modo, os pensamentos elementares podem assumir a forma de uma série de reflexos ao suscitar outros pensamentos automaticamente, caracterizando-se como um conjunto muito sutil e potencialmente ilimitado de reflexos.

Outro conceito apresentado é o de “mentalidade” que “inclui as emoções, os estados corporais, as reações físicas e tudo o mais” (BOHM, 2005). Assim, a mentalidade se caracteriza como um processo material, pois ocorre no cérebro, no sistema nervoso e na totalidade do corpo como um sistema único. Neste caso um insight ou percepção da verdade podem influenciar profundamente o processo material, incluindo todos os reflexos, os níveis químicos e tácitos. No entanto um conhecimento apenas intelectual ou inferencial não atinge ou modifica esse processo de modo profundo.

Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

O pensamento como movimento

Para que ocorra a “propriocepção do pensamento” Bohm (2005) sugere que se “suspenda” o sentimento. Isso não significa reprimi-lo ou manifestá-lo, mas mantê-lo em um “ponto instável” para que seja possível observar a totalidade do processo. Outra forma de suspender o sentimento, sugerida por Bohm (2005), consiste em fazer com que o sentimento venha à tona “propositalmente” e a partir disso efetuar uma “revisão” das sensações e reações ocasionadas por ele.

Buscando uma significação ampliada para o sentido de propriocepção, Bohm (2005) explica a coerência a incoerência e o processo tácito do pensamento. A incoerência se refere à limitação do conhecimento. Visto que o conhecimento é uma abstração do todo e consiste no aprendizado de algo até determinado ponto. Quando se reconhece a incoerência se descobre que algo não está certo e pode ser alterado.

Por outro lado, a coerência representa a ordem, a beleza e harmonia. Mas se estivermos motivados a identificar somente a ordem, harmonia e beleza é provável que nos tornemos vítimas de um auto-engano, assim, necessitamos do senso negativo da incoerência, pois este é o caminho para a coerência. Para Bohm (2005) o movimento em direção da coerência é inato, mas o pensamento o tornou confuso. Deste modo qualquer mudança importante necessita ocorrer no processo tácito do próprio pensamento. Esse processo tácito, concreto, é o conhecimento real e pode ser coerente ou não.

O conhecimento tácito não foi sistematizado conscientemente pelo indivíduo e por esta razão o indivíduo não tem consciência da sua existência. Bohm (2005) defende que no nível que o pensamento emerge no processo tácito ele é um movimento, que pode ser autoconsciente e seu movimento pode ser autoperceptivo. Entretanto se não houver a sensação de que o ocorrido se deu no nível do pensamento, os acontecimentos serão tacitamente aceitos como uma percepção direta da realidade.

Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.


Como já foi dito, diálogo significa através da fala. Sócrates (469-399 a.C.) apresentava o diálogo como uma técnica de perguntas e respostas, à procura da verdade. Ele reunia seus jovens discípulos nas praças públicas, as ágoras, e ia desenvolvendo sua filosofia através de diálogos, cujo ponto fundamental era o auto conhecimento. “Conhece-te a ti mesmo” era a recomendação básica. Sócrates considerava que a sabedoria começava pelo reconhecimento da própria ignorância e a superação do saber baseado em idéias préconcebidas. “Só sei que nada sei” seria o princípio da sabedoria.
Seu objetivo inicial era, então, demolir a presunção do saber. Interrogava seus discípulos sobre aquilo que pensavam saber. Habilmente ia descontruindo as respostas, até que a ignorância fosse reconhecida. É o que se chama de ironia socrática. Libertos do orgulho e da pretensão de tudo saberem, os discípulos podiam começar a construir suas próprias idéias. Sócrates então os ajudava a concebê-las. Isso era chamado de maiêutica, que significa a arte de trazer à luz.

E Nietzsche afirma: "Nós, os sequiosos de razão, queremos examinar nossas vivências do modo rigoroso como se faz uma experiência científica, hora a hora, dia a dia!. Queremos ser nossos experimentos e nossas cobaias."

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Propriocepção dos pensamentos

Bohm (2005) define a propriocepção ou autopercepção como a distinção entre as ações que se originam em nosso corpo e as ações que vem de fora. Assim, o diálogo busca também examinar os pensamentos, sentimentos e emoções a partir de uma “propriocepção dos pensamentos”. Sabemos que temos uma propriocepção dos nossos movimentos, pois se prestarmos atenção ao corpo, temos consciência que estamos sentados, que a mão pega o garfo para comer, que estamos olhando para o interlocutor ou para o papel que lemos etc. Isso vem como experiência, não como reflexão. Também temos a mesma capacidade com relação aos nossos pensamentos: se prestarmos realmente atenção neles, notaremos que têm intensidade, afetividade – quase uma cor -, direção, intenção etc. Mas normalmente pensamos e identificamo-nos apenas com o conteúdo deles.
Observando o pensamento recuperamos essa propriocepção do pensamento. Essa observação permite que ocorra uma compreensão ampliada sobre o pensamento e permite perceber quando estamos exagerando, reagindo inadequadamente, ou desvalorizando a questão principal. Esses aspectos não são apenas lógicos ou racionais, pois se constituem em um exercício de percepção que permite o desenvolvimento de uma maior acuidade na observação de nós mesmos e dos outros.
Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

Os sentimentos se movem em processos autônomos

No processo de suspensão é possível notar duas situações: Primeiro, que as reações físicas são produzidas pelo pensamento e deste modo elas não são significativas como as reações físicas produzidas por fatos reais. Segundo, é possível “obter provas diretas de que os pensamentos afetam os sentimentos e são afetados por eles sem que isso passe pelo eu”. A partir da idéia de que há uma “entidade central”, um “eu” que gerencia e estabelece a conexão entre pensamentos, sentimentos e ações, se acredita que este é a fonte ou o núcleo. Entretanto Bohm (2005) defende que os sentimentos se movem em processos autônomos, não sendo produzidos ou experenciados por esse “eu”.
Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

A suspensão de pressupostos.

Em um diálogo as questões devem ser sentidas, examinadas e ponderadas. Assim, Bohm (2005) sugere que seja efetuada a “suspensão dos pressupostos” a fim de evitar pressuposições ou presunções.
Suspender os pressupostos significa segurá-los “como se estivessem pendurados à sua frente, constantemente acessíveis ao questionamento e à observação”. Isso não significa que necessitamos deixar de lado nossos pressupostos, suprimi-los ou evitar sua expressão. Também não significa que ter opiniões é “ruim” ou que devemos eliminar o subjetivismo. Ao contrário, significa estarmos conscientes dos nossos pressupostos e submetê-los a exame. Isso não pode ser feito se estivermos defendendo nossas opiniões. Tão pouco pode ser feito se não tivermos consciência dos nossos pressupostos ou de que nossas visões se baseiam em pressupostos, ao invés de fatos incontroversos. Bohm (2005) argumenta que o indivíduo que “se fecha numa posição” e decide que “é assim que tem de ser” bloqueia o fluxo do diálogo.
Para suspender todas as opiniões torna-se necessário perceber as próprias reações de hostilidade e observar o modo com que as pessoas estão se comportando e quais são as suas reações. O ponto é manter o diálogo em um nível em que as opiniões surjam, mas que se possa olhar para elas.
Bohm, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athenas, 2005.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010



Fazendo uma analogia com uma citação de Bohm com Camões....
“o pensamento é um sistema que pertence à totalidade da cultura e da sociedade...”


“mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”


A questão dos pressupostos serem condicionados à época em que se vive é uma idéia antiga.
Nossos pressupostos afetam a essência da nossa observação, pois nossa visão é filtrada por eles. Os pressupostos do pensamento selecionam as informações e as organizam sob a forma de significados e imagens.

Nossos preconceitos influenciam nossas reações emocionais, já que o pensamento recebe as informações, que foram previamente filtradas por eles (os pressupostos). Somente depois dessa filtragem decidimos como reagir.
Bohm cita a questão do nacionalismo para exemplificar o paradoxo, partindo do axioma de que todos são contra matar crianças. No caso de uma nação em guerra, a premissa inicial passa para segundo plano, a ponto de se ser favorável ao bombardeamento do inimigo, mesmo que crianças sejam atingidas.


Muitas verdades...


Eduardo Gianetti, em seu livro "A ilusão da alma" pergunta e responde:


"É possível que Epíteto, o escravo e filósofo estóico do século I d.C., estivesse certo ao concluir que quem acusa os outros pelos seus próprios infortúnios revela uma total falta de educação; quem acusa a si mesmo mostra que a sua educação já começou; mas quem não acusa nem a si mesmo nem aos outros revela que a sua educação está completa ? Sim, é possível.


É possível que toda forma de feroz intransigência e todas as guerras ideológicas e todos os conflitos sangrentos por terras, minérios, primazias sejam fruto de um pavoroso mal-entendido da consciência humana sobre si mesma?(…) Sim, é possível"
Nós temos uma tendência a pressupor que estamos sempre certos. Isso acontece devido aos nossos paradoxos, que criam mecanismos que evitam o autoquestionamento, atribuindo os problemas a causas externas.
Nós somos levados a crer que o pensamento e o sentimento são coisas separadas. E eles são dominados por demandas contraditórias. Então, se não estivermos atentos para isso tenderemos a confundir problema e paradoxo, e assim ficaremos impossibilitados de reagir de forma adequada.

Problema x Paradoxo

David Bohm trata da questão problema x paradoxo afirmando que muitos de nossos problemas na verdade são paradoxos. Estes são tratados como tal, devido à falta de percepção interna que nos assola. Essa adversidade levou a sociedade a tentar controlar esses distúrbios da nossa natureza através da punição, sistemas morais e éticos e religião. Mas na realidade poderíamos alcançar melhores resultados mediante trabalhos voltados para dentro e orientados para fora .


Consciência participativa.

No diálogo, não buscamos o convencimento e a persuasão. A palavraconvencerquer dizerganhar’, e a expressãopersuadir’ é semelhante. Baseia-se na mesma raiz de ‘suave’ e ‘doce’. As pessoas algumas vezes tentam persuadir com palavras doces e convencer com termos fortes. Ambos chegam ao mesmo resultado, embora sem importância. Nãosentido em ser persuadido ou convencido; isso não é coerente ou racional. Se alguma coisa é correta, você não precisa se persuadido. Se alguém precisar persuadi-lo, é porque provavelmente há dúvidas a respeito do assunto.

Relações dialógicas.


(...) a educação constitui-se em um ato coletivo, solidário, uma troca de experiências em que cada envolvido discute ideias e concepções. A dialogicidade da relação entre educador e educando. O que importa é que professores e os alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
(Paulo Freire, 1998, p.96)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Diálogos possíveis

Os queridos e saudosos Laurel & Hardy, conhecidos entre nós como O Gordo & O Magro, numa deliciosa remontagem ao som de Santana. O humor dialoga sempre a favor.  =)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O eu é feito de pedaços do outro


Tudo é do outro. Escutar é permitir a presença do outro. O aluno que eu escuto vem morar em mim. A presença do outro me completa.
Bartolomeu Campos de Queirós

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O constante diálogo.

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'